terça-feira, 19 de maio de 2009

Sonhando em dançar um pagode russo

Pode até parecer loucura mas as casas, paredes, o chão, as calçadas, postes, orelhões, árvores e ar da minha rua, tem cheiro, som e sentimento. Os vejo quase tão cheio de vida quanto a mim.

Depois de muito tempo sem andar pela minha rua, sem sentir seu cheiro, sem ver sua cor, sem sentir seu vento na minha cara, resolvi ir á esquina. Em cada passo que eu dava me lembrava de mim e de meus amigos, e sentia cada um de nós impregnado até nos lugares mais improváveis de se pensar.

Cheguei finalmente a esquina, com os olhos lacrimosos. Sentei na calçada (que é de onde se tem a melhor visão da rua) , e rebobinei em minha cabeça uma parte da minha vida.

Milimetrei cada pedacinho da rua e do céu. É quase impossivel descrever o que pude senti. É mais fácil materializar ou dá conotação ao que senti. Vi um pega-varetas; vi a mim e meus amigos em pleno sol do meio-dia armando uma rede de volêi; vi uma bola canarinho no meio do esgosto e uma mão indo pegá-la para arremassar em alguém; vi um saco de petiscos e refrigerantes espalhados no meio da calçada; vi e dessa vez também ouvi uns meninos e meninas pulando muro pra roubar laranja e cantando paródias com os namoricos que surgiam entre eles; vi um banco imobiliário posto de lado pra combinar uma viagem à Piripiri; ouvi uma voz suave dizer: é férias, vamos pro terreno!; e ouvi passos e gritos de quadrilhas, que tantas vezes foram ecoados pelos pedaços da rua, dando vida a nossa amizade.

E como um ato de loucura elevei a cabeça ao céus como se agradecesse pela chuva que caia, só que não estava chovendo. No fundo eu sabia exatamente o que estava acontecendo, aquilo, era só saudade.

E saudade é alucinante. E mais ainda que não é só saudade de pessoas ou coisas e sim do tempo vivido, do tempo compartilhado, do tempo sublimado entre a loucura e a loucura.

Rebobinando mais ainda o filme na minha cabeça, senti saudades das conversas bestas de xingamento de pai e mãe; de saídas sem rumo; quedas de bicicleta; de banhos de chuvas. Logo na época das chuvas, me imaginei(só imaginei), numa roda de amigos de mãos dadas, com todas as suas diferenças, com toda a adolescência aflorando e com toda a estupidez que a amizade e a idade pudesse permitir.

Pra mim já tinha dado. Era demais pra mim. Era saber o quê e com quem vivi.

Levantei meio cambaleante no rumo de casa. Olhei para minha casa como se esperasse ver minha mãe me chamando pra entrar como antes, e não a vi. E vi que aquilo que estava se passando era o presente, era a vida que o destino tinha guardado pra cada um de nós, no caso pra mim. Como eu queria que minha mãe tivesse me chamando pra ir dormir, poucas vezes na vida desejei isso, nesse momento desejei como uma prece.

Coloquei a mão na parede e disse: -Eu consigo!

Mas eu não consegui. O filme já estava rodando na minha cabeça sem meu controle. Isso estava acabando comigo. Olhei em direção à minha casa mais uma vez. E veio uma explosão de palmas, de palhas, fogueiras e de músicas de Luiz Gonzaga, me fazendo lembrar mais ainda da vida que tenho saudades.

E como nunca desejei eliminar o mês de Junho do calendário, ou da minha vida. Desejei ficar surda pra não ter que ouvir músicas de quadrilha; desejei que não me perguntassem se ia haver arraiá na rua esse ano; desejei que não existissem mais festas juninas na minha vida. Fui fraca. Desejei, desejei. Mas não por maldade, mas por saber que meus amigos são todos "fazedores" de festas juninas e que estas sem eles não se tornariam noites de são joão, xote e baião no salão.

E chorei. Tentei respirar fundo. Por um instante fiquei sem ar. Retomei o ar. E depois de retomar a consciência e voltar ao meu estado normal, agradeci. Agradeci por tudo o que os fazedores de festa junina fizeram pra me tornar o que sou.

Nesse instantezinho de momento,comprovei que não lembramos de amigos como pessoas. E que amigos são coisas, lembranças, gestos, cheiros, ares, músicas, banhos de chuva, pega-varetas, viagens....amigos são só coisas gostosas de se viver.



Iúna Gabriella Paiva