quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Olhai os Lírios...


"Olhai para os lírios do campo, como eles crescem: não trabalham, nem fiam. Eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles"

Érico Verissimo

A imagem de nós

Sai do banho, passa por uns móveis velhos de um quarto que nunca mudou, abre a porta, como um ato involuntário tateia a parede a direita, a procura da luz, passa pelo espelho, vai direto ao guarda-roupa, volta ao espelho.

Percebe depois de muitos anos, o espelho. Embaçado pelas coisas que traz o vento, o espelho perdia sua utilidade, tinha alguma coisa nele que parecia implorar para refletir algo.

Passa a mão molhada como num gesto de limpeza misturado com carinho e afago. Aos poucos aparece um cabelo, uma cicatriz, sobrancelhas, olhos, nariz e uma boca (nada muito bonito, nem harmonioso, mas para o simples espelho, era belo ter que refletir algo novamente).

Seria um rosto qualquer, não fosse a tristeza expressiva.

Sou eu?

Passa a mão pelo cabelo, cicatriz, sobrancelhas, olhos, nariz e boca. Até o sinal do lado direito da boca continua o mesmo. Mas, mesmo assim, falta algo. Cabelo, cicatriz, sobrancelhas, olhos, nariz e boca, tudo como tem que ser, mas falta algo.

Resolve fazer a última conferência: passa mais uma vez a mão pelo cabelo, toca a cicatriz que adquiriu quando menina na rua e até hoje continua lá. Falta algo.

Chega a achar que o espelho tenha lhe tomado algo. Encara-o como numa disputa de olhares furiosos, o avisando que devolva senão a confusão está armada. Concentra-se mais ainda no espelho. Até que num desatino, numa revelação, percebe.

São meus olhos! São meus olhos!
Descobri! Descobri!

Faz uma coreografia boba, como se erguesse troféus no ar. Descobri! Falta a alegria que perdi há um tempo atrás e que era vista através de meus olhos. Desejou não mais ser vista. Desejou nem ser alegre novamente. Desejou que o espelho se quebrasse. Desejou não ter descoberto isso. Só desejou, desejou e desejou. E saiu da frente do espelho, calada e triste, como realmente costuma ser agora.



Iúna Gabriella Paiva

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Na chuva

Sinto um cheiro de terra molhada, olho a janela do quarto, é mesmo, confirmo: é chuva. Chove lá fora. É hora de recolher as roupas do varal e deixar enxaguar-se de água que cai do céu.

Quando crianças, acreditamos que seja Deus chorando, crescemos mais um pouco e aprendemos sobre o ciclo da água, hoje acredito que a chuva cai sobre nós, somente para encharcar e lavar a alma, só para isso.

Crendo nisso, deixei minha alma na chuva, como aquela mesma roupa que esquecemos de tirar do varal. Podia ver minha alma estendida e pingando. Ainda de alma estirada, contemplei os pingos de chuva ricocheteando nas pedras, no asfalto e contra a própria água.

Perguntei-me porque muitos outros não se deixavam lavar por águas de chuva (nessa hora muitos se esquivavam de serem purificados pela chuva que caia). Quis gritar e dizer: deixem-se levar, deixem-se lavar!

E não tive forças para fazer isso. Ali, estendida e pingando, só quis ficar de rosto para o alto, olhos fechados, mãos abertas, pés com água cobrindo e com chuva açoitando meu corpo. Fui egoista. Quis aquela chuva só para mim, quis que os pingos d´agua caissem só pelo meu rosto, molhassem somente meus cabelos, ricocheteassem somente por esse corpo que é meu, lavassem a minha alma.

Percebendo cada vez menos a intensidade dos pingos sobre mim e escutando menos ainda a chuva cair do céu no chão, sai do estado de transe em que me encontrava. Àquela hora a chuva estava parando, era hora de apressar a lavagem da alma.

De súbito, concentrei-me, respirei fundo e disse à chuva como a beijando num desafio: "Lava a minha mente, o corpo é fácil, quero ver conseguir isso."

... não pudemos continuar nossa conversa - a chuva e eu -, ela acabou ou desistiu quando desafiada, mais rápido do que eu esperava.



Iúna Gabriella Paiva

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Ponto de ...



Consigo
Respiro
Vivo
Sobrevivo
Contribuo
Me afasto
Retorno
Abraço
Beijo
Danço
Bebo
Enrolo
Fumo
Como
Banho
Penso
Leio
Ando
Pego
Escrevo
Espero
Corro


Tudo interrogação....



Iúna Gabriella Paiva




domingo, 13 de setembro de 2009

Momentos que perdemos a " razão"(que já não temos)...

É um momento tão intenso, quanto o vento de um ventilador. É um maracatu de sensações, de cores, formas e sons desbaratinados. Tão desbaratinados quanto nosso cabelos, nossas roupas rotas, nossas mãos e pés empulseirados.É um dar de ombros no céu e sair flutuando, como se estivesse na nuvem.Aquela mesma nuvem que nos cobre a cabeça cheia de mudanças, cheia de sonhos, cheia de amor,cheia de liberdade.

Mas, liberdade porquê andaste apenas nas nossas cabeças e não no meio de nós?


Iúna Gabriella Paiva

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

À luz da lua

Naquele exato momento, a lua estava escondida, e eu a procurava. E sentindo a minha presença e ânsia da procura, a lua passou a procurar-me também. Ficamos frente a frente. Ela iluminando-me com uma luz mágica e eu a iluminando com o copo de cerveja que tinha às mãos.

Disputava comigo mesmo, o olhar à lua e o olhar ao copo de cerveja. Tentava não ser favorável a nenhum dos lados, queria só ficar ali e assim, por toda a vida. Sentia a paz de ser o que sou. Conversava sobre a inquietude do progredir da vida: ter que nos tornar o que não somos.

Ao fundo, vozes cheias de notas musicais, a equilibrar-se sobre o ritmo de Surfando Karmas&DNA. Presenciei abraços e declarações de amor.

A vida é grande, é mais, é bem maior do que pensamos. A vida é sentir. Viver é viver sentindo. As cadeiras vazias ao redor, no meu pensamento se associaram às pessoas que sentia falta em minha vida. É como se a vida fosse um conjunto de mesas e cadeiras. Era como se eu fosse a mesa, e sentisse falta daquelas "cadeiras", que na verdade são pessoas.

E cheguei a uma revelação: Estou em busca do ser interior. Estou a um pulo do precipício de não aguentar mais tudo ao redor. Estou em busca de mim.

E as pessoas nunca saem da minha mente, se não consigo dormir muitas vezes, talvez seja minha mente buscando-as, farejando-as, ressuscitando-as, renascendo-as, implorando-as.

A minha mente quer equilibrio. Quero calmaria.


Iúna Gabriella Paiva

domingo, 30 de agosto de 2009

Questões sobre o céu que tenho preguiça de olhar

Ouvindo o "na na na na na" dos Beatles em Hey Jude, tive vontade de sair de casa e abrir a porta que dá à rua. Pensei só em olhar a lua(isso se fosse mesmo noite de luar), porque ultimamente não tenho olhado o céu, talvez medo de olhar-lo e deitar-me no chão em pleno público só para admirá-lo.

E olhando o céu me pergunto: se aquele lugar seria a morada de um Deus - criador dessa terra e dono desse céu -, um Deus dos homens, que os criou à sua imagem e semelhança?

Acho que não. Acho que o céu, só é habitado por nuvens. Se pessoas vão para o céu, também acho que não.

Se não regressamos ao pó, vamos para uma natureza em algum lugar, mas não para o céu de nuvens.

E se as nuvens que vemos e damos cores e formas, são efeitos da lotação de pessoas no céu?



Iúna Gabriella Paiva